Nunca uma injeção foi desejada, ou, tão desejada. Ardentemente desejada. Até o medo de sempre, um quase terror em alguns casos, fobia que vem da infância e arrasta-se pela adolescência até a vida adulta - parece estar mais amena.
É que as restrições dos dias atuais - isolamento, desterro domiciliar, incerteza, angústia, a falta de calor (humano), de beijos e abraços, de vida compartida, familiar e social -, deixaram (quase) todos os viventes contando as horas para receber a abençoada picada.
Desperta até inveja nos subterrâneos da alma. Sonhos sobressaltados no meio de tardes claras. Alguém que não aguenta ver as populações de países estrangeiros na TV já tomando a sua vacina. Talvez possam não chegar ao exagero de encher a boca d’água, mas andam perto...
O sonho de caminhar de novo pelos ares livres, leves e soltos do velho normal. E aí se permitir, dentre outras, retirar urgente a tal máscara horrorosa, anti-higiênica, asfixiante e, em todos os casos, feia. Olhar e se aproximar sem defesa das pessoas queridas, sem aquela paranóica ponta de desconfiança. Mas... é a mãe, o pai, a irmã querida... Não, não interessa, o novo normal é crudelíssimo.
Sem contar o nojento gel, um quase unguento, em alguns casos sebento, que tem criado momentos da humanidade bem esquisitos, tristes, desesperançados, e frescos, pelo menos.
A verdade é que há uma vontade incontrolável de se afastar de tudo que represente o presente, e deste ano agourento. Esquecer seu inventário de perdas e danos. Seus 2, seus 00.
A picada sonhada é não só a metáfora para emergir do pesadelo. Os que até hoje vêm sendo responsabilizados pelo espetáculo dantesco em que meteram o mundo, os governantes, terão uma segunda e última chance de puxar pela mão este mundo véi estragado, livrá-lo de uma tragédia maior que a grega, e remir seus pecados, se é humanamente possível.
Enquanto houver memória, será um exercício infindo apagar as imagens de máquinas abrindo sepulturas, de valas comuns inimagináveis, de filhos e pais ausentes ao dever e desejo de despedir-se dos seus, condenando todos a uma solidão animal, e mais outras e outras más lembranças. Pano rápido.
— Prefere o senhor no braço direito ou no esquerdo?
— Não... a senhora pode escolher o local.
Uuuuufa!
Por Napoleão Veras.
Essa nos toma até na testa.
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